Universidade Federal da Santa Catarina
Departamento de Informática e Estatística
Informática Aplicada a Educação
Orlando Fonseca Silva - nick@eps.ufsc.br
Texto: Modelos Mentais
Autor: Marco Antonio Moreira
Instituto de Física, UFRGS
O autor, aborda o tema modelos mentais particularmente à luz da teoria de Johnson-Laird (J.L.) [1], discutindo a natureza, o conteúdo e tipologia dos modelos mentais e a questão da consciência e computabilidade, além da metodologia de pesquisa neste assunto. Seu trabalho visa subsidiar o ensino e a pesquisa em ensino de ciências à luz desse referencial.
J.L. defende as seguintes idéias:1) o mundo exterior não é percebido de forma direta, nós construímos representações mentais (internas) dele 2) existem três tipos de representações mentais: modelos mentais, proposições e imagens e 3) as pessoas usam modelos mentais para raciocinar.
MUNDO EXTERIOR |
PERCEPÇÃO: VISUAL, AUDITIVA, OLFATIVA, TÁCTEIS E GUSTATIVAS |
AS PESSOAS CONSTROEM REPRESENTAÇÕES MENTAIS |
ANALÓGICAS | PROPOSICIONAIS | |
IMAGENS
São representações bastante específicas (concretas) que retêm muitos dos aspectos perceptivos de determinados objetos ou eventos, vistos de um ângulo particular, com detalhes de uma certa instância do objeto ou evento. São vistas de modelos mentais.
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MODELOS MENTAIS
São representações analógicas, um tanto quanto abstraídas, de conceitos, objetos ou eventos que são espacial e temporalmente análogos a impressões sensoriais, mas que podem ser vistos de qualquer ângulo e que, em geral não retêm aspectos distintivos de uma dada instância de um objeto ou evento.
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PROPOSIÇÕES
São representações de significados, totalmente abstraídas, e são verbalmente expressáveis. São cadeias de símbolos expressáveis em linguagem natural e interpretadas (em termos de verdadeiras ou não) à luz de modelos mentais.
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Na psicologia cognitiva existe a metáfora do computador. A mente como um sistema de cômputo, e J.L. faz a seguinte equivalência para as representações mentais.
LINGUAGENS DE ALTO NÍVEL | CÓDIGO BINÁRIO |
Imagens e modelos mentais | Proposições |
Exemplo1:
Seja a situação "o quadro está na parede", ela pode ser representada mentalmente como,
a) Uma representação por proposição, pois é verbalmente expressável,
b) Um representação por modelo mental, um quadro qualquer numa parede qualquer,
c) Uma representação por imagem, de um quadro em particular em uma certa parede.
J.L. procura identificar melhor modelos mentais, como sendo:
1. Análogos estruturais de estados de coisas do mundo. Podendo, sua estrutura analógica, variar bastante e estes, serem manipulados livremente, de maneira controlada apenas pelas próprias estruturas destes estados de coisas do mundo.
2. Uma representação interna de informações que corresponde, analogamente, ao estado de ciosas que está sendo representado, seja qual for, e não são únicos.
3. Blocos de construção cognitivos que podem ser combinados e recombinados conforme necessário. Representam o objeto ou situação em si; sua estrutura capta a essência (se parece analogamente) dessa situação ou objeto.
4. Uma forma de representação analógica do conhecimento (estado de coisas), existindo uma correspondência direta entre entidades e relações presentes na estrutura dessa representação, e as entidades e relações que se busca representar.
5. Compostos por elementos e relações que representam um estado de coisas específico, estruturadas de uma maneira adequada ao processo sobre o qual deverão operar, ou seja, cada modelo já é construído de uma maneira coerente com o uso previsto.
E ainda, como estados de coisas muitas vezes são descritos por conceitos. O modelo mental deve ser capaz de representar tanto o essencial como a amplitude do conceito, ou seja, as propriedades características do estado de coisas que ele descreve; os procedimentos de gestão do modelo definem a amplitude desse conceito, isto é, o conjunto de estados de coisas possíveis que o conceito descreve.
Exemplo2:
O modelo mental de um avião pode possuir várias versões conforme os diferentes usos que se possa fazer dele.
a) Reconhecer b) pilotar
c) Embarcar d) construir
Cada versão, no entanto, deve incluir o núcleo central que identifica o modelo como sendo de avião. Deve também incluir proposições e procedimentos de manipulações diversificados, pois conforme o uso, são outros os aspectos do modelo que são acionados.
Em termos de conteúdo, os modelos mentais, as imagens e as proposições apresentam uma diferença importante no que se refere a especificidade: os modelos mentais, assim como as imagens são altamente específicos enquanto as representações proposicionais não implicam tanta especificidade. Os modelos mentais têm conteúdo e forma que servem às finalidades para as quais foram construídos, sejam elas explicar, predizer ou controlar.
Assim, a natureza dos modelos mentais é mais restringida que seus conteúdos, isto é, como estes são análogos estruturais do mundo, sua estrutura está limitada pela estrutura dos estados de coisas do mundo. Por outro lado, a questão dos conteúdos é função do mundo e de nossa capacidade de conceber, que a princípio, é ilimitada.
Para J.L., o aspecto essencial do raciocínio através de modelos mentais não está só na construção de modelos adequados, mas também na habilidade em testar quaisquer conclusões que se chegue usando tais modelos. Assim, a lógica, se é que aparece em algum lugar, está na testagem das conclusões e não na construção de modelos. Nesse sentido, o raciocínio dedutivo é melhor interpretado como uma destreza prática do que como uma habilidade abstrata. Além do que, o que separaria "experimentados de iniciantes", em termos de raciocínio seriam diferenças no espaço disponível de memória de trabalho para construir e manipular modelos mentais complexos, bem como na persistência na testagem de conclusões Em sua teoria estão ausentes as regras de inferência da lógica formal, nela, a resolução de tarefas silogísticas está na manipulação de modelos mentais, não na lógica formal.
Exemplo 3:
Sejam os seguintes enunciados:
O lápis está a esquerda da caneta
A borracha está na frente da caneta
A régua está na frente do lápis
Sem o uso da lógica formal, pode-se construir um modelo mental que capta o arranjo essencial desses objetos
Lápis Caneta
Régua Borracha
E ao examina-lo, tirar a conclusão simples e não ambígua de que "a régua está à esquerda da borracha".
Quanto mais complicadas as proposições originais, mais difícil a construção e manutenção de um modelo integrado, além do que, em alguns casos, a combinação de enunciados pode admitir mais de uma interpretação.
Exemplo 4:
O lápis está a esquerda da caneta
A borracha está a esquerda da caneta
Os seguintes modelos mentais podem ser formados
1. Lápis Borracha Caneta
2. Borracha Lápis Caneta
Significando que não existe uma única conclusão não ambígua que se possa tirar da relação entre lápis e borracha a partir das proposições iniciais.
Para J.L., as dificuldades de muitos problemas de raciocínio dedutivo estão relacionadas com o número de modelos mentais (espaço disponível de memória de trabalho) necessários para representar adequadamente as premissas do argumento dedutivo. Argumentos que envolvem poucos modelos podem ser resolvidos rápida e acuradamente, mas se envolvem múltiplos modelos, fica muito mais difícil. Uma maneira de contornar essa limitação é representar a informação implicitamente o máximo possível, ao invés de explicitamente.
J.L. reconhece que é difícil dizer e identificar exatamente o que são modelos mentais e como eles diferem de outras formas postuladas de representações mentais de outros autores (como os esquemas de Piaget). Assim, aponta uma série de princípios que impõem vínculos à natureza dos modelos mentais e limitam tais modelos.
1. Princípio da computabilidade: Modelos mentais são computáveis, isto é, devem poder ser descritos na forma de procedimentos efetivos (sem implicar em decisões intuitivas, misteriosas ou mágicas) que possam ser executados por uma máquina (mente como um sistema de cômputo).
2. Princípio da finitude: Modelos mentais não podem representar diretamente um domínio infinito. Isto decorre da premissa de que o cérebro é um organismo finito.
3. Princípio do construtivismo: Como existe um número infinito de estados de coisas que podem ser representados mas somente um mecanismo finito para construir modelos que os representem, decorre que tais modelos devem ser construídos a partir de constituintes mais elementares.
4. Princípio da economia: A mente constrói um modelo mental inicial e o revisa recursivamente conforme necessário. O processo de revisão é governado pelas condições de verdade do discurso no qual o modelo está baseado.
5. Princípio da não-indeterminação: Modelos mentais podem representar indeterminações diretamente se e somente se não existir um crescimento exponencial em complexidade (computacionalmente intratável).
6. Princípio da predicabilidade: Um conceito definido por predicados que não têm nada em comum não estaria, normalmente, representado em modelos mentais.
7. Princípio do inatismo: Johnson-Laird rejeita o inatismo extremo de que todos os primitivos conceituais são inatos embora alguns tenham de ser "disparados" pela experiência. Defende a aprendizagem de conceitos a partir de primitivos conceituais inatos ou de conceitos previamente adquiridos.
8. Princípio do número finito de primitivas conceituais: Existe um número finito de primitivos conceituais que origina um conjunto correspondente de campos semânticos e outro conjunto finito de conceitos, ou "operadores semânticos", que ocorre em cada campo semântico e serve para construir conceitos mais complexos a partir dos primitivos subjacentes.
9. Princípio da identidade estrutural: As estruturas dos modelos mentais são idênticas às estruturas dos estados de coisas, percebidos ou concebidos, que os modelos representam.
Considerando os princípios anteriores, J.L propõe uma "tipologia informal e tentativa" para os modelos mentais partindo da seguinte distinção entre modelos físicos, conceituais e mentais (Obs.1) , cuja importância se reflete exatamente no ensino de sistemas físicos.
Modelos físicos | Modelos conceituais | Modelos mentais |
São os que representam o mundo físico.
Podem representar situações perceptíveis, mas não relações abstratas ou qualquer coisa além de descrições de situações físicas determinadas. TIPOS (Obs.2) 1. Modelo relacional 2. Modelo espacial 3. Modelo temporal 4. Modelo cinemático 5. Modelo dinâmico 6. Imagem |
São modelos que as pessoas têm nas suas cabeças.
Representam estados de coisas abstratos em relação aos estados de coisas físicos, representados pelos modelos físicos. TIPOS (Obs.2) 1. Modelo monádico 2. Modelo relacional 3. Modelo meta-linguístico 4. Modelo conjunto teórico |
Quando não derivados da percepção, podem ser
construídos para representar situações verdadeiras,
possíveis ou imaginárias.
Podem, em princípio, ser físicos ou conceituais, mas, em geral, são construídos a partir do discurso e este requer um modelo conceitual CARÁTER EXCENCIAL Derivam de um número relativamente pequeno de elementos (TIPOS) e de operações recursivas sobre tais elementos |
J.L classifica este tipologia de informal e tentativa, pois, em última análise, é a pesquisa que vai dizer como são os modelos mentais que as pessoas têm na cabeça.
Quanto a pesquisa, possíveis metodologias para investigar modelos mentais estão baseadas na premissa de que as representações mentais das pessoas podem ser inferidas (modeladas) a partir de seus comportamentos e verbalizações. Além disso supõe-se que estes modelos podem ser simulados em computador.
São apontadas duas razões principais das dificuldades de pesquisa nesta área [2]:
1. Questão da consciência
Não se pode simplesmente perguntar à pessoa qual o modelo mental que ela têm para determinado estado de coisas, pois ela pode não ter consciência dele.
J.L. aborda esta questão supondo a mente constituída por um sistema operacional de alto nível e uma organização hierárquica de processadores (metáfora do computador). Em sua visão, uma das mais importantes funções do sistema operacional mental seria o desenvolvimento de novos programas (modelos mentais) para dar conta de novas situações. Contudo, a situação de desenvolvimento de programas com "bugs", que solicitassem configurações anômalas dos processadores, poderia ter feito emergir uma forma de consciência primitiva, originalmente dos processadores, como forma de contornar interações patológicas entre eles.
Em sua analogia, os conteúdos da consciência são os valores correntes dos parâmetros que governam as computações de alto nível dos sistema operacional, e que este pode receber estes valores dos processadores, mas não pode inspecionar as operações internas desses processadores. A seleção natural teria assegurado que eles são necessariamente não- conscientes.
2. A própria representação mental
Não adianta buscar modelos mentais claros, nítidos, elegantes, pois os modelos que as pessoas de fato têm são estruturas confusas, mal feitas, incompletas, difusas.
Neste sentido, a principal ferramenta apontada para pesquisa é o uso de protocolos, que podem ser:
- verbais: entrevistar as pessoa, pedir que fale livremente, pense em voz alta.
- concorrentes: descreva o que faz enquanto desempenha uma tarefa.
- Retrospectivo: quando se pede ao sujeito que diga tudo que lembra sobre a solução de um problema logo após tê-la obtido.
Tais protocolos são gravados, transcritos e analisados à luz de alguma teoria. O texto descreve algumas pesquisas sobre modelos mentais, das quais apresentamos uma [3].
Exemplo 5:
Stella Vosniadou, pesquisa mudança conceitual e diz ter identificado um número relativamente pequeno de modelos mentais que os estudantes usam consistentemente. Para o conceito Terra, 80% das crianças entrevistadas utilizavam um dos seguintes modelos.
1.Retangular 2.Disco 3.Dual 4.Esfera oca
5.Esfera achatada 6. Esfera
Vosniadou interpreta a mudança conceitual como uma modificação progressiva dos modelos mentais que a pessoa têm sobre o mundo físico, conseguida por meio de enriquecimento ou revisão. Enriquecimento envolve a adição de informações às estruturas conceituais existentes, revisão implica nas mudanças nas crenças ou pressupostos individuais ou na estrutura relacional de uma teoria, (Obs. 3).
A metodologia usada consiste em formular questões sobre o conceito pesquisado. Algumas requerem resposta verbal, outras estimulam a feitura de desenhos e outras implicam a construção de modelos físicos.
Vamos concluir com uma frase do próprio Johnson-Laird,
"a mente deve ser mais complicada do que qualquer teoria sobre ela"
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Obs.1 - O texto original apresenta a visão de outros autores sobre modelos físicos, conceituais e mentais, contudo, nesta síntese, procuramos manter apenas a de J.L.
Obs.2 - Os TIPOS referidos na tabela são descritos no texto original, contudo tais descrições foram omitidas nesta síntese
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[1] Johnson-Laird, P. (1983). Mental models. Cambridge, MA: Harvard University Press. 513p.
[2] Norman, D.A. (1983). Some observations on mental models. In Gentner, D. and Stevens, A. L. (eds.). Mental models. Hillsdale,NJ: Lawrence Erbaum Associates. p.6-14.
[3] Vosniadou,S. (1994). Capturing and modeling the process of conceptual change. Leraning and Instruction, 4:45-69.