Universidade Federal de Santa Catarina
INE - Departamento de Informática e Estatística
Informática Aplicada a Educação
Síntese da Obra: Educação como Prática para a Liberdade
Autor: Paulo Freire
por: Elenirse M. Furlanetto
----------
O Autor
Paulo Freire é Pernambucano, educador conhecido mundialmente. Seu estudo pedagógico, que vem se desenvolvendo desde os anos 30, sempre temperado com acentuada historicidade de Brasil e da América Latina. Durante sua vida teve muita participação no Movimento Popular, na Pastoral Popular da igreja libertadora. Em suas obras deixa sempre transparente a sua utopia de ver a sociedade transformada, igualitária e justa. Esta utopia o levou a lutar pela libertação do homem, durante sua vida, e continua viva na sua pedagogia, nos seus exemplos e nos seus registros.
Paulo Freire deixa visível em suas obras e na sua vida a sua inquietação diante da realidade da grande maioria do povo. Suas idéias e métodos pedagógicos não são apenas de mais uma teoria educacional, mas um trabalho com grande esforço para a valorização do homem como sujeito no tempo e no espaço. Seu trabalho é resultado também do momento histórico político e social em que viveu.
----------
Educação como Prática para a Liberdade
Educação como prática para a liberdade trata-se de uma pedagogia que reconhece a liberdade e a crítica como "o modo de ser do homem". Uma pedagogia que procura fundamentar-se na cultura e na realidade social do homem no seu conjunto, que procura sustentar-se no núcleo fundamental da natureza do homem: "o homem como ser inacabado e inconcluso", mas além disso, capaz de reconhecer-se como tal, capaz de refletir sobre si mesmo; e por isso se educa e se coloca numa constante busca.
No momento inicial, Paulo Freire já chama atenção: "não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio". Parte do princípio de que o homem é um ser de relações, no sentido de sua pluralidade, criticidade, transcendência, de que o homem não apenas está no mundo, mas está com o mundo, inserto numa realidade que pode ser conhecida e transformada. Atribuindo ao homem tal responsabilidade, o processo educacional torna-se fundamental, enfatizando que cada um deve ser sujeito de sua própria educação, quando afirma: "Ninguém educa ninguém".
O ponto de partida desta pedagogia se dá no círculo cultural e assume a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem, e que a alfabetização e a conscientização são indissociáveis. No círculo cultural busca-se reunir o coordenador com o conjunto de homens e mulheres do povo, num trabalho comum pela conquista da linguagem, primando sempre pelo diálogo.
Ao educador cabe apenas registrar o vocabulário popular e abordar palavras com uma significação viva, o que chama de palavra geradora. A palavra nunca pode ser vista como um dado isolado, a palavra é sempre um tema de debate, ela não existe fora da sua significação real. E, a partir destas palavras geradoras o educando começa a descobrir as sílabas, as letras, as dificuldades silábicas e utilizá-las como material inicial para a descoberta de novas palavras.
Nesta obra, Paulo Freire situa a realidade social brasileira e as heranças de uma História de negação e desumanização de grande parte da população. Apontando para uma condição de transição entre o "ontem" representado por uma sociedade sem povo, escravizada, alienada; e um "amanhã" cujo povo seja o sujeito da sua História.
A sociedade fechada a que se refere é a sociedade brasileira colonial, escravocrata e antidemocrática que marcou profundamente na formação sócio-cultural do povo. "O sentido marcante de nossa colonização, fortemente predatória, à base da exploração econômica do grande domínio em que o poder do senhor se alongava das terras às gentes" , uma sociedade que nasce desta forma carregará por muitas e muitas gerações as marcas da submissão, da minimização do homem à uma "coisa".
Neste período, a organização econômica em fazendas ou engenhos, com grandes extensões de terra, isolava os povos, impedindo a integração, e submetendo toda a "comunidade" ao mandos e desmandos de um mesmo senhor numa relação de "protecionismo" sob a lei do "pau, pano e pão". Esse tipo de relação encarregou-se da domesticação e subserviência dos povos, criando a necessidade de obedecer sempre a alguém, negando a capacidade de vida própria destes homens. Produzindo assim, alguns sempre prontos para servir e outros muito bem treinados para sempre dominar.
Para a superação desta sociedade fechada era necessário uma integração, uma dialogação, que segundo Paulo Freire, jamais floresce em condições de dominação. Então, como pensar em dialogação e em libertação de um povo nestas condições?
Mais tarde, veio a abolição da escravatura. Uma "libertação" condicionada às vontades dos mesmos dominadores, ditada verticalmente de cima para baixo, como medida para sanar os gastos dos senhores com seus escravos. Liberdade, mas para os "senhores europeus", que se desfizeram dos compromissos de manter vivos e vestidos seus escravos, que já incapacitados de viver por si só, optavam por continuar, porém agora, ainda mais obedientes, sob o mesmo domínio.
Uma possibilidade de "abertura" para a sociedade brasileira foi a instalação da família real no Brasil. Circunstâncias em que poderia propiciar experiências, de democracia e autonomia, mesmo que fosse à uma pequena parcela da pessoas. Com o surgimento de escolas, do comércio, reforçou ainda mais o domínio de uns sobre outros. E o implantação da "educação" nesta época, fica fortemente contaminada por esta relação servil, facilmente proliferada sociedade afora. Esse período marca um maior fortalecimento da elite europeizada das cidades que apoderou-se dos valores e dos bens da sociedade.
E assim se faz a "formação" sócio-cultural de um povo. Então, pergunta Paulo Freire "Onde buscarmos as condições de que tivesse emergido uma consciência popular democrática, permeável e crítica onde se pudesse fundar o mecanismo do estado democrático?" Haveríamos de viver até quando na condição de "inexperiência democrática"?
A democracia, enfatiza Freire, "antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza sobretudo por fortes doses de transitividade de consciência no comportamento do homem." Então, a questão fica ainda mais complexa, pois a transitividade de consciência se desenvolve em certas condições em que o homem é submetido ao debate, à crítica, ao exame da realidade, o contrário do que ocorria com a grande maioria do povo brasileiro naquelas circunstâncias. De modo geral, o povo se colocava às margens dos acontecimentos, como a Proclamação da República, "bestificado" como se os fatos fossem passes de mágica.
Com a industrialização da economia brasileira, a urbanização da população, a nova relação entre as pessoas, influenciadas por outros fatores, quebrou parte dessa passividade da sociedade brasileira e provocou algumas alterações no comportamento e na consciência do povo. Porém, sempre em passos muito estreitos e reprimidos. Após o período de governo militar essa tendência se fortaleceu durante algum tempo, como na campanha "Diretas Já" e algumas manifestações populares, no entanto, a possibilidade de se construir uma sociedade "com nossas próprias mãos" continua sendo um horizonte a ser alcançado.
Para se pensar numa mudança da sociedade, é preciso esmiuçar e conhecer os detalhes da realidade, participar da fase de transição desta sociedade e alcançar a democracia, a participação popular. E a educação torna-se um veículo de integração, de conscientização, um meio de superação da massificação, da alienação.
Como a educação e conscientização são indissociáveis, o processo de desalienação no método Paulo Freire, passa por 3 estágios bem demarcados. O primeiro deles é o da consciência intransitiva, imersa. Um ser ou uma comunidade preponderantemente "intransitiva" caracteriza-se pelos interesses (quase) exclusivamente vegetativos e biológicos, há ausência da dimensão histórica, espacial e temporal, a consciência dos homens vive dobrada sobre si mesmas e no descompromisso com a existência.
Na medida em que há um esforço para desalienação do ser intransitivo inicia-se um processo de transição, aumenta o poder de dialogação do homem com o homem e do homem com o mundo. As reflexões se alongam às esferas mais amplas e leva a vencer o descompromisso por compreender que existir é um conceito dinâmico.
Entretanto, esta consciência transitiva é demarcada em dois estágios distintos. Num primeiro estágio, a transitividade ainda ingênua, caracteriza-se pela simplicidade na interpretação dos problemas, pela subestimação do homem comum, pela falta de investigação, explicações fabulosas, fortemente marcada pela emocionalidade. Este tipo de consciência, se não for vencida levará o homem ao fanatismo, à irracionalidade. O homem é incapaz de conduzir-se, continua como objeto. Este estágio pode ser mais prejudicial que o de consciência intransitiva porque há uma distorção na captação e na compreensão, é a principal matéria-prima da manipulação das elites.
O estágio evoluído da consciência transitiva ingênua é a transitividade crítica, resultado de um esforço reflexivo. A consciência transitiva crítica caracteriza-se pelo comportamento comprometido e capacidade de opção e decisão, capaz de estudar e compreender a realidade e elaborar alternativas e ações de mudanças. Essa criticidade só é possível através de uma educação completa, que ao mesmo tempo prepara para a crítica das condições apresentadas seja capaz de construir seu próprio caminho.
Para o nascimento e fortalecimento de uma nova pedagogia é crucial o desenvolvimento econômico como suporte para a democracia, até então nunca vista neste "nosso" Brasil.
O despertar da grande parte do povo, que se encontra num processo emergente, porém ingênuo e despreparado é uma tarefa desafiadora e perigosa diante do pode das elites, que depende da da massificação e da manobra do povo como sustentação dos seus privilégios.
Sobre a educação, "é um ato de amor, um ato de coragem", ato como ação, prática, e amor como reciprocidade, confiança; e coragem como capacidade de opção. A educação completa a que se refere o autor é a que propicia a reflexão sobre o próprio poder de refletir, uma reflexão com dimensões temporal, espacial, histórica, cultural, social, e assim por diante.
O conhecimento é "saber melhor o que se está fazendo", investigar o problema, descobrir soluções e pensá-lo além disso. Adquirimos o conhecimento através da vínculo orgânico com a prática, no contexto do diálogo, da palavra e da História, através da linguagem e do pensamento. A intenção e o desejo de conhecer é fundamental para o processo de aprendizado, e o despertar desse desejo é também papel do educador usando-se de métodos como a palavra geradora, tratando da significação e as relações reais no cotidiano do grupo de educandos.
Parece contraditório o fato de uma sociedade em ascensão dinamicamente em transição com uma educação pedagógica produtora de posições acomodadas e adaptadas. Entretanto, basta avaliar os objetivos e as circunstâncias da implantação das escolas no Brasil, com seus métodos elitistas produzidos na Europa. Era claro e evidente a necessidade de ruptura profunda com este modelo educacional e a criação de uma pedagogia viva, capaz de criar.
Numa sociedade, com certas rupturas, porém, marcada pela inexperiência democrática, com uma História pesada para se carregar, precisa ser recriada, deve possibilitar ao povo a descoberta do seu valor verdadeiro, e o caminhos para esta valorização passa pela educação. Educação como sinônimo de libertação, de transformação de cada ser e do conjunto. Nestas circunstâncias de transição brasileira, é desafiador encontrar uma resposta que possibilite a reflexão e a crítica, e que frutifique uma sociedade livre, capaz de despertar cada ser da sua condição de intransitividade para a consciência crítica com responsabilidades social e política.
Toda essa reflexão sobre educação e conhecimento nos é cabível como estudantes e cidadãos, na medida em que nos propomos a investigar e vivenciar a educação como um instrumento de transformação, que envolve pessoas e comunidades carentes de um despertar, necessitadas do conhecimento, e que apesar das mazelas do tempo, capazes de tornarem-se sujeitos de suas vidas, mas que até então vêem-se presas na roda viva, impossibilitadas de libertarem-se por si só.