Educação e Cybercultura

(Pierre Lévy)

 

A nova relação com o saber

A velocidade do mundo atual, bem como o surgimento e a renovação do conhecimento, traz consigo novas características com relação as competências adquiridas por uma pessoa. Ou seja, todo potencial obtido no começo de um percurso profissional será obsoleto no fim de sua carreira.

Um segundo fato, fortemente ligado ao primeiro, consiste da nova natureza do trabalho, na qual a parte de transação de conhecimentos não pára de crescer. Trabalhar eqüivale cada vez mais a aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos. Terceira constatação: o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas como, a memória de todas as ordens, a imaginação, a percepção, os raciocínios.

Com toda essa evolução nos saberes, as tecnologias intelectuais favorecem novas formas de acesso à informação que não pertence nem à dedução lógica, nem à indução a partir da experiência.

Portanto, devido ao surgimento das tecnologias intelectuais, baseadas em documentos digitais ou em softwares disponíveis em rede (ou de fácil reprodução e transferência), nasce a idéia da inteligência coletiva, a qual pode ser partilhada entre um grande número de indivíduos, incrementando, assim, o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos.

Todas essas alterações no ambiente de vida modifica profundamente os dados do problema da educação e formação. O que deve ser aprendido não pode mais ser planejado, nem precisamente definido de maneira antecipada. Os programas ou currículos possuem perfis singulares, não podendo ser válidos para todo o mundo.

Como alcançar todas essas mudanças? Segundo o autor é através das ferramentas do ciberespaço, onde será possível organizar a comunicação entre empregadores, indivíduos e recursos de aprendizado de todas as ordens, as universidades do futuro estariam contribuindo para a animação de uma nova economia do conhecimento.

A articulação de uma multidão de pontos de vista sem ponto de vista de Deus

A World Wide Web propagou-se rapidamente em todo o mundo. Atualmente, são milhares de usuários que navegam por minuto na internet e em poucos anos se tornou um dos principais eixos de desenvolvimento do ciberespaço.

Na Web não existe nenhum tipo de hierarquia absoluta, e cada ponto é um agente de seleção, de encaminhamento ou de hierarquização parcial. Sendo assim, é através dela que se articula uma multidão aberta de pontos de vista, sem ponto de vista de Deus, sem unificação superior.

A cada novo ponto que surge, existe a necessidade de novos instrumentos de indexação e pesquisa. Ainda assim, quaisquer que sejam os progressos das técnicas de navegação, é muito provável que o ciberespaço conserve sempre seu caráter profuso, aberto, radicalmente heterogêneo e não-totalizável.

O segundo dilúvio e a inacessibilidade do tudo

Na World Wide Web a informação está fluindo, escoando. Suas inumeráveis fontes, suas turbulências, sua irresistível ascensão oferecem uma fantástica imagem da cheia contemporânea de informação. Cada reserva de memória, cada grupo, cada indivíduo, cada objeto pode tornar-se emissor e aumentar o fluxo. Sendo assim, surge o dilúvio de informações. Para o melhor ou o pior, esse dilúvio não será acompanhado por nenhum refluxo.

Antigamente o conhecimento ainda podia ser totalizado, somado, mas a partir do século XIX, com a ampliação do mundo, com o crescimento cada vez mais rápido dos conhecimentos científicos e técnicos, o projeto de domínio do saber por um indivíduo ou um pequeno grupo tornou-se ilusório.

Todos as pessoas, instituições, comunidades, grupos humanos, indivíduos, necessitam construir um significado, providenciar zonas de familiaridade, domesticar o caos ambiente. Mas, por um lado, cada um deve reconstruir à sua maneira totalidades parciais, de acordo com seus próprios critérios de pertinência.

A simulação: um modo de conhecimento próprio da cybercultura

Entre os novos gêneros de conhecimento carregados pela cybercultura, a simulação ocupa um lugar central. Numa palavra, trata-se de uma tecnologia intelectual que decuplica a imaginação individual (aumento da inteligência) e permite que grupos partilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade de tais modelos (aumento da inteligência coletiva).

Para incrementar e transformar certas capacidades cognitivas humanas (a memória, a imaginação, o cálculo, o raciocínio expert), a informática exterioriza parcialmente essas faculdades em suportes numéricos.

Até os sistemas baseados em conhecimentos, conhecidos como inteligência artificial, deveriam ser considerados como técnicas de comunicação e mobilização rápida do conhecimento de práticas nas organizações, mais do que como duplicações de experts humanos.

As técnicas de simulação, em particular as que envolvem imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas prolongam e transformam as capacidades de imaginação e pensamento.

Hoje em dia, a simulação exerce um papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de concepção industrial, de gestão, de aprendizado, mas também para o jogo e a diversão (em especial os jogos interativos na tela). Em teoria, em experiência, a maneira de industrialização da experiência de pensamento – a simulação – é um modo especial de conhecimento, próprio da cybercultura nascente. É importante salientar que o principal interesse não está na substituição da experiência, nem em fazer as vezes de realidades, mas em permitir a formulação e a rápida exploração de um grande número de hipóteses.

Mutações da educação e economia do saber

Aprendizado aberto e à distância

Os sistemas de educação estão sofrendo hoje novas obrigações de quantidade, diversidade e velocidade de evolução dos saberes. Num plano puramente quantitativo, jamais foi tão maciça a demanda por formação. Em muitos países, a maioria de uma classe etária é que recebe um ensino de segundo grau. As universidades estão mais do que lotadas. Os dispositivos de formação profissional estão saturados. A título de imagem, dir-se-á que metade da sociedade está, ou gostaria de estar, na escola.

Será impossível aumentar o número de professores proporcionalmente à demanda de formação que é, em todos os países do mundo, cada vez mais diversa e maciça. A questão do custo do ensino surge mais especialmente nos países pobres. Ou seja, será necessário decidir-se a encontrar soluções que apelem para técnicas capazes de multiplicar o esforço pedagógico dos professores e dos formadores. Audiovisual, multimídia interativa, ensino assistido por computador, televisão educativa, cabo, técnicas clássicas de ensino à distância fundamentadas essencialmente na escrita, monitorado por telefone, fax ou internet… Todas essas possibilidades técnicas, de uma maior ou menor pertinência conforme seu conteúdo, a situação, as necessidades do aprendiz, podem ser consideradas e já têm sido amplamente testadas e experimentadas.

Tanto no plano das infra-estruturas materiais quanto no dos custos de operação, escolas e universidades virtuais custam menos do que as escolas e universidades que ministram em presença.

A demanda por formação não só está passando por um enorme crescimento quantitativo, como também está sofrendo uma profunda mutação qualitativa, no sentido de uma crescente necessidade de diversificação e personalização. Os indivíduos suportam cada vez menos acompanhar cursos uniformes ou rígidos que não correspondem às suas reais necessidades e à especificidade de seus trajetos de vida.

Neste texto torna-se claro a razão pedagógica que o autor coloca frente a muitas ondulações no saber, ou seja, há a necessidade de um novo paradigma de ensino, onde deve haver práticas de coleta de informação e de aprendizado cooperativo no seio do ciberespaço, de modo personalizado a cada indivíduo.

Cada vez mais as universidades e as escolas de primeiro e segundo graus oferecem aos estudantes a possibilidade de navegar sobre o oceano de informação e conhecimento acessível pela internet. Programas educativos podem ser seguidos à distância pela World Wide Web. Os correios e as conferências eletrônicas servem para a monitorização inteligente e são postos ao serviço de dispositivos de aprendizado cooperativo. Os suportes hipermídia (CD-ROM, bancos de dados multimídia interativos e em linha) permitem acessos intuitivos rápidos e atrativos a grandes conjuntos de informação. Sistemas de simulação permitem que os aprendizes se familiarizem de maneira prática e barata com objetos ou fenômenos complexos sem, por isso, sujeitarem-se a situações perigosas ou difíceis de controlar.

O aprendizado cooperativo e o novo papel dos docentes

A direção mais promissora com relação as turbulências vividas no mundo atual, que aliás traduz a perspectiva da inteligência coletiva no campo educativo, é a do aprendizado cooperativo.

Fala-se, então, em aprendizado cooperativo assistido por computador (em inglês: Computer Supported Cooperative Learning ou CSCL), onde professores e estudantes põem em comum os recursos materiais e informacionais à sua disposição. Os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto seus saberes disciplinares quanto suas competências pedagógicas. (A formação contínua dos docentes é uma das aplicações mais evidentes dos métodos do aprendizado aberto e à distância).

Assim sendo, a função do professor é a de incentivar para aprender e pensar. Sua atividade terá como centro o acompanhamento e o gerenciamento dos aprendizados: incitação ao intercâmbio dos saberes, mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos percursos de aprendizado, etc.

Rumo a uma regulação pública da economia do conhecimento

O uso crescente das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativa está acompanhando e ampliando uma profunda mutação da relação com o saber. As novas possibilidades de criação coletiva distribuída, de aprendizado cooperativo e de colaboração em rede propiciada pelo ciberespaço estão questionando o funcionamento das instituições e os modos habituais de divisão do trabalho, tanto nas empresas quanto nas escolas.

O que está em jogo na cybercultura, tanto no plano da redução dos custos como no do acesso de todos à educação, uma das razões econômicas, não é tanto a passagem do professor presente para a distância e, tampouco, da escrita e do oral tradicionais para a multimídia. É sim a transição entre uma educação e uma formação estritamente institucionalizada (escola, universidade) e uma situação de intercâmbio generalizado dos saberes, de ensino da sociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerido, móvel e contextual das competências.

Nesse caso o papel político seria extremamente necessário para garantir a cada um formação de qualidade, permitir o acesso aberto e gratuito a todos, regular e animar uma nova economia do conhecimento, na qual cada indivíduo, cada grupo, cada organização sejam considerados como recursos potenciais de aprendizado.

* Trecho da obra " Cybercultura" publicada pela editora Odile Jacob (França).