INFORMÁTICA APLICADA À EDUCAÇÃO
Professora Edla Ramos
Disciplina oferecida ao CPGCC/UFSC no terceiro trimestre, 1999
Ernani José Schneider - Licenciado em Ed. Física
Mestrando - PPGEP/UFSC
Orientador: Álvaro R. Lezana
sjernani@eps.ufsc.br
Síntese apresentada para discussão e publicação em URL da disciplina.
Texto base: AS TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA
O Futuro do Pensamento na Era da Informática
Pierre Lévy
Tradução: Carlos Irineu da Costa
Editora 34 Ltda. Rio de Janeiro, RJ.
6ª Reimpressão - 1998.
O livro de Lévy, apresenta três capítulos sendo eles:
I - A Metáfora do Hipertexto
II - Os Três Tempos do Espírito: A Oralidade Primária, a Escrita e a Informática
III - Rumo à uma Ecologia Cognitiva
As organizações e o homem com o advento da informática sofrem enormes modificações, neste livro o autor enfoca 'as técnicas de transmissão e de tratamento das mensagens', analisa neste contexto o pensamento individual e coletivo através da rede hipertextual onde as relações se estabelecem através do indivíduo da instituição e da técnica.
"Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo." (p. 7).
Lévy desenvolve e defende o conceito de 'ecologia cognitiva' introduzindo a idéia de um coletivo pensante e dinâmico, analisando a forma de relacionar conhecimento e tecnologias intelectuais. Seu objetivo é o de 'mostrar a quantidade de coisas e técnicas que habitam o inconsciente intelectual...' (p. 11).
Seu tema é o 'papel das tecnologias da informação na constituição das culturas e inteligência dos grupos...' restringindo neste livro as reflexões das questões antropológicas ao uso dos computadores (p. 12 e 14).
A METÁFORA DO HIPERTEXTO
Neste tema o autor aborda o hipertexto como futuro da escrita e leitura numa relação de entrelaçamento, numa continuidade de sentidos (p. 19).
O contexto além de ser auxiliar na compreensão da mensagem é o próprio alvo da comunicação, onde cada nova mensagem tem um novo contexto, um novo sentido. "...podemos certamente afirmar que o contexto serve para determinar o sentido de uma palavra; é ainda mais judicioso considerar que cada palavra contribui para produzir o contexto..." (p. 24). O texto aborda ainda as seis características do hipertexto para as múltiplas interpretações do mesmo (p. 25 e 26).
Tecnicamente o hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões e os itens das informações não são ligados linearmente nem seletivamente, e funcionalmente é um programa para organização de conhecimentos ou dados, a aquisição de informações e a comunicação (p. 33), transformando a interface da escrita e da leitura. Lévy coloca as características de interface como sendo a representação figurada, o uso do mouse, os menus e a tela gráfica de alta resolução, numa interação amigável oportunizando o desenvolvimento do hipertexto e sua disseminação (p. 36). Dinamismo, multimídia, velocidade e mapas ou diagramas de navegação são aspectos importantes para o hipertexto e para o ensino aprendizagem, levando a participação efetiva de quem o manipula. "Quanto mais ativamente uma pessoa participa da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo que aprender" (p. 40), e é necessário uma comunicação com o computador intuitiva, metafórica e sensóriomotora, em vez de abstrata, rigidamente codificada e desprovida de sentido para o usuário, contribuindo para humaniza a máquina (p. 52), onde o ambiente cognitivo e as relações humanas sejam priorizados (p. 54) e os usuários ouvidos.
Um projeto deve utilizar uma interface onde a metáfora seja a mais próxima do cotidiano dos usuários, principalmente se este se destina a auxiliar grupos ou uma equipe de trabalho (groupware) onde a ajuda deva ser no sentido de estimular o raciocínio, argumentação, discussão, criação, organização, planejamento para um trabalho coletivo no processo de comunicação, construindo uma rede de argumentação e documentação para a manipulação permanente de todos os membro em qualquer momento. O papel do groupware é "o de reunir textos, redes de associações, anotações e comentários às quais eles são vinculados pelas pessoas." (p. 72) e deve culminar com a construção coletiva de um 'hipertexto partilhado'.
OS TRÊS TEMPOS DO ESPÍRITO: A ORALIDADE PRIMÁRIA, A ESCRITA E A INFORMÁTICA
O autor evoca uma continuidade histórica, onde aprendemos por simulação, e os coletivos cosmopolitas (indivíduos, instituições e técnicas) são verdadeiramente sujeitos e não apenas meios. (p. 19).
Nenhum tipo de conhecimento é independente do uso de tecnologias intelectuais, visto que estas tiveram e tem influência nas sociedades humanas. Possuímos de acordo com a psicologia cognitiva várias memórias, com funções distintas, dentre elas a de curto prazo (memória de trabalho) e a memória de longo prazo, e estas ainda assim não se parecem com equipamentos de armazenamento e recuperação de informações. O que é necessário para que seja gravado uma nova informação é uma representação, e para ativar os fatos que desejamos devemos primeiro ter conservado uma representação e depois existir um caminho de associações que nos levem a representação desejada. (p. 78 e 79) e ao acrescentarmos informações as elaboramos através de conexões.
A forma de disseminar o conhecimento na oralidade primária é através de dramatizações, personalização e artifícios narrativos, rimas, poemas, cantos e danças entre outros, sempre tendo a transmissão um movimento de recomeço e reiteração. "As coisas mudam, as técnicas transformam-se insensivelmente, as narrativas se alteram ao sabor das circunstâncias, pois a transmissão também é sempre recriação..." (p. 84) Em nossos dias a oralidade primária está presente pois a maior parte de nossos conhecimentos nos foram transmitidos oralmente, principalmente pela influência das empresas e da família.
A escrita aposta no tempo, aproximando-se da memória de curto prazo, e entre a emissão e a recepção da mensagem acontece os mal-entendidos, podendo tornar-se obscura ao leitor, há portanto a eliminação do mediador humano e que é um obstáculo a comunicação. Nasce uma rede de comentários, debates, notas, entre outros a partir do tema original e da impressão. "apesar de visar diminuir a distância entre o momento da redação e o da leitura, a interpretação produz estas diferenças, este tempo, esta história que ela desejava anular." (p. 90). Os indivíduos, a cultura escrita tendem a pensar por categorias, efeito da escrita enquanto tecnologia intelectual e esta condiciona a existência da filosofia e a racionalidade como formas de pensamento. Sem a escrita e a imprensa continuaríamos na cultura oral, e em função destas as comparações se tornam possíveis e á uma enorme disseminação do saber, permitindo novos estilos cognitivos (p. 93).
A invenção do computador pessoal transforma a informática em um meio de massa para criação, comunicação e simulação, onde do lado da criação, podemos distinguir as técnicas relacionadas ao som, imagem, aos programas e aos textos. A nova escrita hipertextual ou multimídia será a montagem de um espetáculo, onde será necessário uma equipe de autores, um trabalho genuinamente coletivo (p. 108). O tempo instaurado pelas redes de informática é o tempo pontual, não se trata de pensar em fim da história da oralidade ou da escrita mas sim em uma coexistência e difusão do saber (p. 116), pois a informática parece reencenar o destino da escrita (p. 117). O saber informático procura a velocidade e a pertinência da execução, a rapidez e a pertinência das modificações operacionais. O modelo informático é essencialmente plástico, dinâmico, dotado de uma certa autonomia de ação e reação, onde o conhecimento por simulação é um saber que a ecologia cognitiva informatizada transporta (p. 121). O computador é considerado como um instrumento de simulação, permitindo que uma pessoa explore modelos mais complexos e em maior número, onde o objetivo é melhorar a simulação do sistema e a interação natural com ele, coexistindo com a simulação o mito e a teoria.
"Por mais que elas sejam consubstanciais à inteligência dos homens, as tecnologias intelectuais não substituem o pensamento vivo" (p. 131)
RUMO À UMA ECOLOGIA COGNITIVA
O autor propõem esta abordagem na tentativa de uma discussão sobre o devir do sujeito, da razão e da cultura. (p. 20), e pergunta "qual a relação entre o pensamento individual, as instituições sociais e as técnicas de comunicação?"(p. 133)
A ecologia cognitiva propõe o estudo das coletividades cosmopolitas, onde encontramos dois temas filosóficos em debate, a razão e o sujeito. Sabemos que a cognição é o resultado de redes complexas, onde acontece a interação entre atores humanos, biológicos e técnicos e que fora da coletividade, desprovido de tecnologias intelectuais "eu" não pensaria (p. 135), onde a consciência é apenas uma interface importante entre o organismo e o meio ambiente. "Não há mais sujeito ou substância pensante, nem 'material', nem 'espiritual'". (p. 135).
Desta forma diversas correntes científicas contemporâneas redescobriram uma natureza na qual seres e coisas não se encontram separados por uma cortina de ferro ontológica (p. 136). E a ecologia cognitiva visa o estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição (p. 137) dando conta dos conhecimentos declarativos, dos conhecimentos procedurais, colocando ênfase nos processos, e fazendo parte ainda estudos sobre o pensamento coletivo ( p. 139).
Observamos que as instituições fundam boa parte de nossas atividades cognitivas, e que toda instituição é considerada como uma tecnologia intelectual e portanto estas são instituições (p.143). Certamente o social pensa nas atividades cognitivas do sujeito e os indivíduos contribuem para construção e a reconstrução das instituições (p. 144).
Lévy afirma que as técnicas agem diretamente e indiretamente sobre a ecologia cognitiva, e que toda modificação técnica é uma modificação da coletividade cognitiva, implicando novas analogias e classificações, novos mundos práticos, sociais e cognitivos (p. 145). Só é possível pensar dentro de um coletivo, é preciso insistir nas dimensões coletivas, dinâmicas e sistêmicas das relações entre cultura e tecnologias intelectuais (p. 149) e estas desempenham um papel fundamental nos processos cognitivos, estruturando profundamente o uso da faculdade da percepção, de manipulação e de imaginação (p. 160).
O sujeito transcendental é histórico, variável, indefinido, compósito, onde "O ser cognoscente é uma rede complexa na qual os nós biológicos são redefinidos e interfaceados por nós técnicos, semióticos, institucionais, culturais" (p. 161). Mas é preciso pensar as pessoas como grupos, sociedade sem distinção entre estes (p. 165), onde um grande número de processos e de elementos intervêm em um pensamento e este já é sempre a realização de um coletivo. "Pensar é um devir coletivo no qual misturam-se homens e coisas" (p.169), onde a consciência é individual e o pensamento coletivo.
As tecnologias intelectuais situam-se fora dos sujeitos cognitivos, estão entre os sujeitos e ainda estão nos sujeitos (p. 174). O que permite colocar em evidencia uma relação de encaixamento fractal e recíproco entre objetos e sujeitos.
As interfaces: mantém juntas as dimensões do devir (movimento e a metamorfose), sendo que cada nova interface transforma a eficácia e a significação das interfaces precedentes, e uma interface homem-máquina é o conjunto de programas e aparelhos materiais que permitem a comunicação entre um sistema informático e seus usuários humanos (p. 176), as interface de hoje são eliminadas amanhã ou redescobertas por novas e reintegradas á máquina. "Cada nova interface permite novas conexões, que por sua vez vão abrir novas possibilidades, de forma que é impossível prever ou deduzir o que quer que seja para além de uma ou duas camadas técnicas" (p. 179), e faze-las trabalhar na análise de todas as tecnologias intelectuais. O que passa através da interface? Outras interfaces. "Como na versão conexionista ou neuronal da inteligência, todo conhecimento reside na articulação dos suportes, na arquitetura da rede, no agenciamento das interfaces" (p. 184).
CONCLUSÃO
O autor afirma que quando tentamos compreender como pensam e sonham os coletivos, estamos diante de sistemas ecológicos abertos, em organização permanente e povoados por inúmeros atores. Diz ainda que é ao redor dos equipamentos coletivos da percepção, do pensamento e da comunicação que se organiza em grande parte a vida da cidade no cotidiano e que se agenciam as subjetividades dos grupos (p. 187).
As técnicas não determinam nada, e até a mais moderna, é toda constituída de bricolagen, reutilização e desvio. Não é possível utilizar sem interpretar, metamorfosear (p. 188). Nenhuma tem significação intrínseca mas sim um sentido que é dado a ela sucessiva e simultaneamente por múltiplas coalizões sociais. A técnica não é nem boa, nem má, nem neutra, nem necessária , nem invencível, encontra-se sempre intimamente misturada às formas de organização social, as instituições, as religiões, as representações em geral (p. 194).
Quanto ao homem e as máquinas, devemos entender que a máquina é tão amiga quanto o próprio homem, onde a oposição a ela deve ser repensada. "Certamente não é o pretenso sistema técnico que se opõe a está visão inconsistente dos destinos humanos, mas sim o turbilhonamento infinito do real" (p. 192).
Pergunta, "... quem não sente que é preciso repensar os objetivos e os meios da ação política?" (p. 195). (Poder, justiça... etc.)
Por fim o Lévy afirma: "Não alimento nenhuma ilusão a um pretenso domínio possível do progresso técnico, não se trata tanto de dominar ou de prever com exatidão, mas sim de assumir coletivamente um certo número de escolhas. De tornar-se responsável, todos juntos." (p. 196).
Ernani José Schneider
Mestrando - PPGEP/UFSC.